A mudança dentro de mim

“O importante é haver uma busca pela capacitação pessoal. A mulher tem
que saber que ela também é capaz – os direitos são conseqüência disso.”
Ana Maria Fernandes Yamamoto

Quando menina pequena, Ana Maria adorava andar a cavalo. Na fazenda em que morava com os pais e irmãos, propriedade dos avós maternos, essa era uma de suas atividades preferidas. Só havia um problema: a saia. Não era lá muito confortável passar as pernas por cima do animal quando se estava usando aquele tipo de vestimenta, e a mãe decidiu que seria melhor deixá-la usar uma calça emprestada dos meninos. Por cima desta, a saia novamente. Meninas não podiam usar calça comprida.

Anos mais tarde, morando agora com a família em Poços de Caldas, a garota começou a questionar o porquê de tantas proibições. Não eram só as calças – era trabalhar, morar fora, estudar, andar sozinha, ter escolhas. O Colégio Dominicano no qual estudava moldou nela ideais de igualdade que não a permitiam aceitar a sociedade tal qual lhe era apresentada. Ser mulher definia-se por nãos, e, nos movimentos estudantis político-sociais, a jovem passou a procurar uma maneira de poder dizer sim.

Seus ideais igualitários e seus desejos de poder ter – ou melhor, agir sobre a sua – vontade própria fizeram com que ela fosse vista com maus olhos pela própria família. Tios, irmãos, os próprios pais, achavam suas idéias ousadas demais para uma boa moça. Os conflitos não eram extremos, mas Ana sabia que a única maneira de alcançar seus próprios sonhos era saindo de casa. Ali, ela não tinha voz. Sufocada pelo tradicionalismo de sua família patriarcal, foi embora.

Não foi fácil. Campinas era uma cidade maior, e ela conseguiu um emprego, mas o salário era pequeno e o preço de um teto, alto. Comida, regalia. Lutou, fez amizades, foi pingando seu próprio suor pelo caminho. Conseguiu, afinal, um emprego que a sustentava. Começou a faculdade – serviços sociais.

E então o pai faliu. O Brasil inteiro falia, mas ela se mantinha sozinha. E, de repente, era ela quem mandava dinheiro pra casa, alimentava os irmãos pequenos e arranjava emprego para os crescidos. Era ela quem tornava possível o pão de cada dia – e não porque estivesse com a barriga encostada no fogão, como muitos acreditavam que deveria ser seu destino. Ela simplesmente se tornara dona de seu próprio destino.

Ela não bebia descontroladamente, não era “devassa” nem queimava sutiãs. Mas, agora, Ana podia dar ordens. E as calças, essas nunca mais foram cobertas.

Sobre Lívia Furtado

Começou a estudar jornalismo e desenvolveu cada vez mais seu amor pelos livros. Começou a fazer reportagens, brincou de editar livros, foi parar na Flip e descobriu que, realmente, é a literatura seu grande amor.

Uma resposta para “A mudança dentro de mim

  1. Calcinha Suja

    Bonito o poste… sei la.. ver coisas assim me lembra a sorte que tive de ter uma familia como a minha, uma mãe como a minha que não me reprime e me da forças para seguir, que sempre me apoiou em minhas decisões. Eu sou bem feliz, ao menos, na parte da minha familia …

    Enfim .. eu gostei do seu blogger… bem simples e bonito ^^ …

    -| http://calcinhasuja.wordpress.com/ |-

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