Uma carta de amor

faz mais de dois anos que você sorriu diferente pra mim pela primeira vez. talvez uns dezoito meses desde que você se entranhou na minha vida aos poucos. pouco mais de um ano desde que eu te fiz chorar dizendo o que as duas queriam dizer mas tinham medo. e exatos trezentos e sessenta e seis (porque ano passado ganhamos um dia a mais) dias desde que eu fiz a pergunta que você já vinha esperando há um tempo.

a nossa história é complicada, e a gente nunca sabe muito bem quando foi que começou, não é, meu amor? pode ter sido no primeiro dia em que eu te vi, ou na primeira vez que você me elogiou, ou mesmo no primeiro beijo. talvez tenha sido na primeira briga, talvez no primeiro afastamento, talvez a gente só tenha começado mesmo depois do primeiro jantar. quem é que sabe, ou quem é que está contando?

então a gente levou nosso tempo (deus sabe que eu levei o meu), mas você sabe das minhas teorias sobre o tempo das coisas, não sabe? e a gente foi seguindo assim, aos poucos, ainda que isso às vezes te enfureça, e ainda que eu tenha que respirar fundo quando você pede pressa, porque a gente se dá a mão e segue passo a passo, lado a lado. porque o toque da sua pele me acalma, e seu sorriso é pra mim o alaranjado do céu no pôr-do-sol. você inteira me traz paz, e te olhar faz meu coração ficar apertado de saudade pelo momento em que meus olhos não estarão mais em você.

você sabe que eu odeio coisas bregas, mas você sabe também que meu amor por você é enorme, pequena. imenso, infinito, uma constelação toda de pequenos gestos pra te mostrar o que as palavras não comportam.

eu te amo. feliz aniversário.

25

  1. mantive um canal no YouTube (e pretendo continuar mantendo)
  2. consegui ser financeiramente independente
  3. fui jurada de um concurso literário
  4. aprendi a usar panela de pressão (e a fazer feijão)
  5. conheci a Grécia
  6. finalmente fiz uma fantasia de Sininho
  7. fui convidada a escrever um livro (por mais de uma pessoa)
  8. juntei dinheiro
  9. passei todos os dias da Flip em Paraty
  10. conheci (e gravei com) o Reinaldo Moraes e a Jout Jout
  11. fiz uma amiga gostar de carne de porco, uma gostar de arroz e um gostar de fruta na comida
  12. descobri uma nova festa boa de pop
  13. conheci Brasília (e o Zuko)
  14. perdi meu medo de cantar em karaokês
  15. comecei a comer frutas todos os dias
  16. fui na Pizzaria Bate-Papo
  17. passei o ano-novo no Rio de Janeiro
  18. minha melhor amiga voltou a morar no Brasil
  19. aprendi a fazer – e fiz – crème brûlée
  20. comecei a gravar vídeos de culinária no Snapchat (e as pessoas gostaram)
  21. dirigi pela primeira vez na minha vida
  22. comecei a fazer exercícios físicos regularmente
  23. li quarenta e quatro livros
  24. conheci pessoalmente amigas incríveis
  25. me encontrei de volta, ou estou me encontrando. e encontrei você.

Mitologia particular

Essa noite eu sonhei que ela me abandonava. Sem eu saber por que, ela apenas ia embora. Me deixava sozinha, com os meus demônios, os quartos vazios, os corredores ecoando as conversas que já não existiam mais.

Essa noite eu sonhei que traía. Traía sem bem saber o que, com alguém que era igualzinho a ele, embora não o fosse, e seus olhos profundos me encaravam com o peso da mágoa de se ver enganado por quem a gente ama.

Essa noite eu sonhei que caía. Caía, mas não encontrava o chão, continuava caindo, e caindo, e caindo, naquele um segundo que embarca todo o tempo que o universo já presenciou.

Acordei caindo, traindo, abandonada. Com todo peso do mundo sobre o peito, todas as tragédias perenes, todas as narrativas universais. Eu acordei sem ar. Com todo o peso dos arquétipos que carregamos em nós. Acordei, e talvez eu nunca saiba, afinal, o que eu realmente sonhei.

Todo texto começa de uma questão mal resolvida

Todo mundo vem com alguma bagagem. Todo mundo. Se tem uma coisa que aprendi nos últimos tempos é que isso não tem a ver com ser mulher, homem, hétero, gay, bi: todo mundo tem um passado e, na maior parte das vezes, lidamos com ele de uma maneira bem pior do que a que gostaríamos.

Ontem você me disse que eu sou uma das pessoas mais good vibes que você conhece e que quando eu fico mal o mundo sai um pouquinho dos eixos, e eu ri. Foi uma das coisas mais legais que já me disseram. E aí eu quis chorar.

“Todo romance começa com uma questão mal resolvida,” foi a frase do Juan Pablo Villalobos que mais me marcou naquela tarde de setembro. Eu ampliaria, Juan Pablo, se você me permitisse: todo texto assim nasce. Não há narrativa se não houver conflito. E por isso é tão difícil escrever quando estamos bem. (Embora a felicidade possa doer também, eu sei.) A gente escreve quando sangra. Quando dói tanto que vamos enlouquecer se aquilo não sair de nós.

Talvez há algum tempo eu tivesse concordado com você. Eu era mais alegre do que sou hoje, embora eu também já tenha sido muito mais triste. O que dói, agora, é não me reconhecer mais nessa imagem que criaram de mim. Eu tenho uma bagagem que não imaginava que teria, e ela pesa muito mais do que eu achava que pesaria. E é difícil pedir que alguém carregue esse peso comigo. Ele é meu. Eu sou minha. Eu me recuso a deixar mais alguém ficar com um pedaço meu, porque uma hora eu não vou ter mais nada que me pertença. Vocês podem ter tudo, mas só aquilo que eu permita que vocês tenham.

No meio desse jogo todo, talvez agora eu tenha criado, sem perceber direito, a garota good vibes. Aquela que está sempre ali pra te ouvir, que não tem problemas dos quais reclamar, que sempre ri, sorri, escuta e te abraça quando você precisa. Você não sabe como ela consegue estar sempre feliz, mas o mundo parece um pouquinho melhor por ela conseguir, já que você não consegue.

Mas ninguém é tão feliz assim – e fingir o tempo inteiro não torna aquilo real. É cansativo.

Eu tenho bagagem. Todo mundo tem.

Se você soubesse que eu escrevo, talvez você não tivesse se deixado enganar.

Afinal, a garota good vibes não escreveria. Ela não sangra. Eu, sim.

3.

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